Estou caminhando sobre um belo gramado, com o pôr-do-sol
dando um tom alaranjado ao horizonte. Quando olho para baixo, vejo que não
estou exatamente caminhando sobre a grama, mas flutuando a poucos centímetros
do chão. Isto me parece surreal.
- Arthur. Arthur. Acorde!
Era Bruna me chamando, pois eu havia dormido no meio da
aula. E estava num sono tão pesado que estava até sonhando.
- O quê? Já acabou a aula?
- Já? Foram mais de duas horas! – Desta vez era Pedro.
- Sério? Acho que eu só assisti uns 15 minutos.
Eu ainda estava duvidando que realmente havia acabado a
aula. Talvez o professor tivesse resolvido parar ela no meio para um intervalo,
para os que estivessem cansados de ouvi-lo falar. Seria uma boa ideia. Faço uma
nota mental para sugeri-la numa próxima oportunidade.
- Qual a última parte da aula de que você se lembra? – Bruna
questiona.
- Acho que estava começando a escassez de água no planeta.
- Bah, então perdeu toda a parte emocionante?
- Emocionante? Como você consegue chamar essa aula de
emocionante? Eu peguei no sono quando estavam preparando-se para uma das bombas
atômicas, acho que a Coreia.
- Não era da Rússia?
- Qual foi o segundo ataque?
- Rússia.
- Ah, então era Rússia, sim.
- Enfim, o professor notou que ninguém, exceto eu, estava
prestando atenção. Então, mandou todos fazerem um trabalho final, sobre o
período pré-Reconstrução. – Bruna fala.
- É. E na última semana do último ano na escola. – Pedro
lamentava-se.
- Não sei qual o problema, nós temos essa aula todos os
anos. Mesmo eu tendo dormido, eu sei escrever sobre o assunto.
- Então faz dois, por favor. – Falou Pedro, de modo
desinteressado.
- Farei, mas o meu será o certo. – Eu digo, piscando o olho.
E saímos da escola às gargalhadas. Eu sentirei falta da
escola. Falta dos amigos que vi e encontrava durante todos os dias. Falta da
correria para chegar a tempo pois dormi um pouco a mais. Falta dessas
brincadeiras feitas entre a gente ao fim das aulas. Até das aulas eu sentirei
falta.
Bem, talvez não de todas as aulas. Eu não estava brincando
quando disse que sabia escrever sobre o assunto do trabalho, pois todos os anos
nós tínhamos aulas sobre a Reconstrução.
Basicamente, o mundo vivia com constantes conflitos, cada
vez mais violentos e com mais tecnologia, levando a cada vez mais violência. As
atuais teorias levam a crer que a disputa era por recursos, possivelmente
bolsões de água potável.
Todos os países desenvolvidos passaram a investir cada vez
mais em armamentos militares, com o intuito, em teoria, de autodefesa, até que
a situação ficou incontrolável. Ocorreu um período de guerras nucleares, onde
grandes bombas destruíam tudo e deixavam rastros que tornavam áreas
inabitáveis, com destruição de boa parte da infraestrutura, até que foram
desenvolvidas armas biológicas, que possuíam o objetivo de destruição da
população sem dano à infraestrutura física. Porém, isso levou a infecções
incontroláveis que dizimaram a população.
Mesmo nas partes do globo em que as construções ainda
estavam de pé, não havia gente para ocupá-las. As estradas e pontes intactas
não possuíam pessoas para atravessá-las. As máquinas ainda utilizáveis não
possuíam operadores qualificados capazes de utilizá-las. Pouco a pouco, os
diversos setores da sociedade foram sumindo. E a sociedade, que se mantinha de
pé num tênue equilíbrio entre todos os seus setores, sucumbiu. Afinal, a
sociedade é formada por pessoas, e sem elas ela desmorona.
Assim como nós sobrevivemos, acredita-se que existam outras
comunidades que estão se reerguendo, mas a comunicação é impossível. Em parte
pois diversas regiões são inabitáveis e não possui qualquer ligação e em parte
porque os complexos sistemas e equipamentos necessários para comunicação em
massa não possuem mais manuais de instruções e simplesmente ninguém sabe como
operá-los ou consertá-los.
Os fundadores da cidade em que agora vivemos deram a sorte
de sobreviver. Talvez por algum tipo de resistência intrínseca às infecções, e
possuir, dentro de seu grupo, membros com as mais diversas habilidades, que
complementavam-se e puderam, a partir da estrutura existente, construir uma
nova sociedade.
E essa nova sociedade foi reconstruída com base em
importantes preceitos morais, para que se evitem novos conflitos como aqueles
que levaram à quase extinção humana. A esse processo de definição das bases da
sociedade em que agora vivemos, dá-se o nome de Reconstrução.
E, para evitar que
cometamos os mesmos erros que fizeram a Reconstrução necessária, nós temos
aulas sobre isso em diversos momentos na escola. Por isso, acho fácil fazer um
trabalho sobre isso. E, de certa forma, nem me surpreende o fato dele ser
necessário neste final de ano. Pelo menos, esta é a única atividade da última
semana de aula.